Intercâmbio de Vida

E se alguém trocasse a tua vida de um dia para o outro?

Monday, June 26, 2006

-Bom dia pequenina! Nanou bem, nanou meu amor?
- Xiiiim.
- Dá um beijinho à mamã e toca a levantar para ir para casa da vovó!
A Leonor abraçou-se à mãe, deu-lhe um longo e lambuzado beijo e levantou-se ainda ensonada, com passos incertos até ao quarto-de-banho. Ela apanhou umas roupas do chão e foi em direcção ao outro quarto. Estava na penumbra e sentia o cheirinho do seu filho por todo o quarto. Este em tons de azul muito clarinho e com legos espalhados por todo o chão. Olhou para o seu pequenino adormecido, todo destapado e atravessado na cama, com os caracóis despenteados e a boca entreaberta numa respiração firme e constante. Tinha tirado as calças de pijama e estava só de fralda. Ficou a olhar para o seu filhinho adormecido, fez-lhe uma festa nos caracóis e chamou por ele baixinho. O Duarte abriu os olhos ensonados e sorriu para a mãe.
- Xó mas bitiquinho.
- Não pode ser pequenino, tens de levantar para ir com a mana para a vovó.
- Mas Duate tem xoninho.
- Nanas mais no carro amor, agora toma o teu biberão e quando acabar chama a mamã.
Apesar de já estar a caminho dos dois anos o Duarte ainda dormia na cama de grades que tinha sido dela, e do pai dela e dos tios e primos. Ele gostava e ela também.
Saiu do quarto dele e foi vesti-la, sempre vaidosa com os seus vestidinhos. Como sempre quis ir ver o irmão e claro, arreliá-lo um bocadinho. O João veio e pegou no Duarte para o vestir. Era sempre assim, ela vestia a menina e ele o menino. Gostavam ambos disso. Quinze minutos depois todos sentados na mesa tomavam o pequeno almoço. O Jeremias estava pachorrento como sempre aos pés dos miúdos. Ela gostava da vida que tinha. Gostava dos filhos e do marido, do cão, da casa. Era sem dúvida uma pessoa feliz. Enquanto olhava para eles todos juntos ali à mesa não podia deixar de se sentir abençoada. A Leonor era linda e traquinas, era a cara do pai. Já o Duarte era mais parecido com ela.
- Clara!
- Diz, João, desculpa, não estava prestar atenção.
O marido passou-lhe a mão pelos cabelos e deu-lhe um beijo na testa.
- Deseja-me sorte para a reunião!
- Boa sorte querido. Deu-lhe um beijo e um abraço. Ele fez uma festa ao Duarte e recebeu um abraço apertadinho da Leonor.
Ela preparou-se para sair. Ia levar os miúdos a casa da mãe do João. Enquanto preparava as coisas parou na sala a olhar para as paredes. Quadros com desenhos da Leonor, azulejos com os pés dos dois. Por cima das prateleiras fotografias desde bebés, de um, dos dois, dos quatro. Com um sorriso, pegou no Duarte ao colo deu a mão à Leonor e foram juntos para o carro, rumo à casa da avó de que eles tanto gostavam.

Saturday, June 24, 2006

Era uma daquelas noites de Setembro que tanta dor lhe trazia. O Outono principiava e trazia consigo a mudança de cor da paisagem. Não gostava deste fim de Verão, lembrava-lhe que mais um longo ano de solidão se acercava. Largou o gato no chão enquanto se levantava para ir fazer chá. Parece que a televisão a torturava conjuntamente fazendo adiantar o filme para que adormecesse a meio. Na cozinha olhou pela janela e viu os telhados que apontavam o negrume no céu. Luzes já apagadas na maioria das casas. "Ninguém está a pé a esta hora e tu também não devias estar Bianca " surgiu-lhe no pensamento mas foi rapidamente varrido pelo assobiar da chaleira. Rodou o botão e viu a luz azul apagar-se num clarão. Largou o líquido tingido na caneca já cansada dessa sua função e seguiu em direcção ao sofá. No móvel à entrada da sala habitavam as únicas duas fotografias emolduradas da sua casa. Uma delas mostrava os pais sorrindo para a máquina descartável que lhe trouxe o padrinho de França pelo seu décimo quinto aniversário. Na outra ela própria se sorria para o amigo de curso que ela julgou ser muito mais. Os cabelos castanhos muito aprumados e uma das poucas peças decotadas que tinha anunciavam já ai a sua paixoneta por ele. O brilho nos olhos esverdeados era-lhe característico e nem o pó que acumulava o vidro o fazia desaparecer.
Chamou o Boneco para o seu colo que rapidamente se enrolou nele, refastelando-se com as mãos dela ainda quentes de segurar na caneca. O filme começou passado uns momentos mas ela adormeceu ali mesmo no sofá ao fim da primeira parte. As suas costas iriam acusá-lo no dia seguinte quando sentada na cadeira do escritório.