Intercâmbio de Vida

E se alguém trocasse a tua vida de um dia para o outro?

Thursday, March 22, 2007

O sorriso emanava-lhe do rosto como há muito não acontecia. Corria o hiper-mercado naquele que era o dia da semana que mais gostava. O carrinho que empurrava também contribuia largamente para isso. Adorava vir as compras no hiper-mercado, não só pelas compras em si mas porque aqui a sua solidão era normal. As mulheres vagueavam pelos corredores sem companhia olhando e escolhendo os melhores preços e produtos. Bianca imitava-lhes os gestos. E o sorriso voava-lhe da cara.
Havia também alguns artigos no seu carrinho que denunciavam a sua boa disposição. Um bolo aparentemente caseiro de chocolote aconchegado na sua caixa plástica, um sumo com uma embalagem colorida, e um xilofone. Isso era o que mais a alegrava. Em cada toque de relance que os olhos passavam lá sorria de felicidade. Era uma prenda a si mesma. Hoje não lhe importava que não tivesse presentes de mais ninguém à espera dela. O xilofone era exactamente tudo o que queria ter! E ao adornar o carrinho de compras com ele completava o disfarce que tinha uma familia inteira è sua espera em casa. Sorriu à menina da caixa quando esta passava o brinquedo pelo detector de preços. Mal conseguiu aguentar o caminho todo no autocarro sem desfazer o plástico que protegia as pequenas teclas metálicas.
Nem se preocupou em pôr os congelados no congelador mal chegou a casa. Sentou-se no sofá no silêncio absoluto, e abriu a caixa lentamente como quem saboreia um quadradinho de chocolate. Pousou-o a mesa do café mesmo à sua frente e susteve-se no ar com as baquetas feitas para mãos de crianças de 5 ou 6 anos. Deixou tocar aquele silêncio bem como um prelúdio para o que se seguia. Baixou então a pequena esfera verde suspensa no pauzinho vermelho no rectangulo metalizado. O mais grave e comprido. O som trouxe-lhe um vento cheio de aromas. O cheiro da infância, da harmonia, da alegria quase eufórica, da satisfação, e da realização. Baixou então a segunda vez e correu as teclas todas até chegar ao agudo mais pequeno. Sorriu longamente.
Só passado algumas horas é que se lembrou que tinha que comer, e só quando os olhos se fechavam, passado muitas horas, é que se lembrou que tinha que dormir. Não se lembrou que a meia-noite trazia o seu trigésimo terceiro aniversário.