Intercâmbio de Vida

E se alguém trocasse a tua vida de um dia para o outro?

Thursday, July 20, 2006

Enquanto trabalhava escrevendo umas cartas a computador revia cenas da sua vida. Cenas passadas, como o dia em que conhecera João, quando ele a ajudara a levantar depois de uma aparatosa queda à chuva, o dia em que a pediu em namoro e inúmeras cenas românticas entre ambos. O dia do seu casamento não tinha sido o dia feliz que sempre imaginara. Não foi solarengo nem colorido, nem se sentia leve como um passarinho com borboletas no estômago. Era nostálgica por natureza e o dia do seu casamento significava a derradeira separação dos seus pais e da casa que sempre fora sua. Amava o João sem dúvida mas tinha-lhe custado a separação. O seu pai atravessara a igreja com lágrimas nos olhos e ela não conseguiu manter um sorriso quando largou o seu pai para abraçar o seu noivo. Por momentos teve tanto medo que ponderou desatar a correr. Mas foi-se acalmando e, apesar de ao princípio passar a vida em casa dos pais, não tardou a cortar definitivamente o cordão umbilical. Teve de ir morar para longe deles por motivos de trabalho. Não tardaram a querer um filho e à primeira tentativa Clara engravidou. Lembra-se como se fosse hoje da notícia dessa gravidez, da descoberta que era uma menina a caminho, do dia do seu nascimento. Leonor era preciosa, a menina que sempre desejara ter. Quando a Leonor tinha quase um ano ofereceram-lhe o Jeremias, um cachorrinho labrador amarelo. A partir daí tornaram-se os melhores amigos. Pouco tempo depois engravidou novamente. O Duarte vinha a caminho. Felizes com a notícia de um novo bebé deliraram ao saber que era um menino, principalmente o pai. O nascimento do Duarte foi menos emotivo, já não era novidade, foi mais racional. A Leonor adorava o Duarte e o Jeremias assumiu a sua posição como guarda-costas do bebé sem a menor dificuldade. Passaram belos momentos juntos os cinco, sempre tinham sido muito felizes. Mas por vezes ficava tão cansada que só lhe apetecia tirar umas férias da maternidade, por vezes, lá bem no fundinho tinha saudades de quando era solteira e não tinha preocupações. Mas só mesmo lá no fundinho e nunca o dizia em voz alta. Não fosse Deus castigá-la!

Thursday, July 06, 2006

O sol estica-se tentando chegar ao zénite que marca a metade da sua trajectória. Na rua os carros ainda dormem encostados às arvores que povoam a avenida. Bianca acordouj cedo e face à infantilidade da televisão senta-se agora na marquise com um livro entalado entre as pernas. Ao contrário do que era costume era um livro de culinária. Enquanto salivava olhando as imagens olhava os ingredientes tentando encontrar alguma coisa que pudesse cozinhar com o que tinha em casa. Não gostava nada de folhear este livros, principalmente pelo que estava em frente ao nome da iguaria entre parentises. Nunca havia nada para 1 pessoa . Lá encontrou um arroz mais fora do comum e começou a seguir o guião. Enquanto a panela fervilhava escondida pelo testo, ela pôs a mesa com brio mesmo sendo só um prato que a povoava. Com as noticias hilariantes de domingo comeu sossegada e com vontade. No fim deixou tudo na mesa espalhando-se no sofá a ver um filme cor-de-rosa-algodão-doce. Exageradamente doce, pensou ela. Antes de adormecer. Só acordou com o som metálico da campainha. Os olhos correram logo para o relógio da aparelhagem mas este ainda piscava a meia noite porque ela ainda não se tinha dado ao trabalho de o acertar. Olhou então o sol já alaranjado e lembrou-se que Sara tinha ficado de passar lá para lhe mostrar as fotos do casamento. Correu a arrumar tudo na cozinha depois de lhe abrir a porta la em baixo. Quando a campainha voltou a soar já Bianca usava as suas mãos como pente em frente ao espelho da entrada.
-Olá- disse Sara quase gritando a sua felicidade como se a expressão na sua face não chegasse. Vinha sozinha contudo.
Ao menos isso desabafou o coração de Bianca.
Sentaram-se no sofá, Bianca exibindo o pináculo do seu sorriso amarelo, Sara agarrando o album grosso contra a cintura. Trocaram palavras vãs, sorriram formalidades e até que o livro se abriu mostrando toda a brancura de um dia que nada dizia a Bianca. Era nestes momentos que se sentia mais que tudo revoltada com um mundo que parecia atormentá-la só porque não tinha fotografias assim, porque não tinha um anel na sua mão, ou sequer uma mão. Já não se lembrava de lhe custar tanto a manter o sorriso, e ao fechar da porta caiu no chão sentada e a dor que escondeu atrás do sorriso durante toda aquela conversa saiu-lhe em torrentes de lágrimas. Quando finalmente acalmou levantou-se e no congelador tirou um balde de gelado para tentar arrefecer o coração que vibrava ainda vermelho de dor.